Como pode a captura de carbono ajudar as indústrias pesadas no caminho para a neutralidade carbónica

Artigo | 08 de outubro de 2021

Para algumas indústrias, reduzir ou eliminar as emissões de carbono ainda não é possível. Felizmente, as mais recentes tecnologias de captura de carbono permitem que o gás seja armazenado no subsolo, ao mesmo tempo que aumentam a produção de uma fonte de energia renovável: o hidrogénio “azul”.

Se o mundo quiser atingir as principais metas do Acordo de Paris de 2015 – alcançando a neutralidade carbónica o mais rapidamente possível e limitando o aumento da temperatura global a 1.5°C neste século – uma coisa é certa: as grandes indústrias devem reduzir consideravelmente a quantidade de CO2 que libertam para a atmosfera. Em alguns setores, como os transportes por exemplo, as soluções são óbvias: as empresas podem reduzir drasticamente ou, melhor ainda, eliminar as suas emissões de carbono, se mudarem para fontes sustentáveis de energia.

No entanto, esta abordagem de baixo ou zero carbono ainda não é possível em algumas indústrias pesadas, nomeadamente nas que produzem máquinas ou matérias primas, como é o caso das siderúrgicas, metalúrgicas, petroquímicas e cimenteiras. Na indústria do ferro e do aço, por exemplo, as temperaturas extremamente altas exigidas nos fornos não podem ser alcançadas apenas com energia renovável. Na indústria da construção, o cimento não pode ser fabricado sem a criação de CO2, pois a produção depende de uma reação química para transformar o calcário em cal – este processo produz CO2 como um subproduto que não pode ser eliminado pela troca de combustível ou pela redução do uso de energia.

As indústrias pesadas – principalmente as que sustentam a construção e as infraestruturas com o fabrico de materiais como aço, cimento e vidro – usam processos que requerem muita energia e a química associada a estes processos é muito difícil de alterar. Por ora, simplesmente não há outra opção. É por isso que estas indústrias são designadas por “difíceis de descarbonizar”.

 

Captura, uso e armazenamento de carbono

As indústrias “difíceis de descarbonizar” apresentam uma alavanca significativa no nosso caminho para a neutralidade carbónica, sobretudo porque são atualmente responsáveis por mais de 30% da procura global de energia. Na verdade, os setores do aço e do cimento geram, por si só, cerca de 7% das emissões totais de CO2 do sistema de energia. Para enfrentar este desafio, há um novo processo tecnológico de redução de emissões de carbono – conhecido como Captura, Uso e Armazenamento de Carbono (CCUS) – que está a desempenhar um papel cada vez mais importante.

Para as indústrias onde é impossível eliminar ou reduzir as emissões de carbono para além de um certo ponto, a CCUS é uma forma de captar e comprimir o CO2 para, de seguida, o transportar por duto, navio, comboio ou camião. Depois, o carbono pode ser utilizado em aplicações secundárias ou armazenado no subsolo de modo permanente – neste caso é injetado profundamente em formações geológicas vedadas, tal como os reservatórios de petróleo e gás esgotados. Isto também é reduzir as emissões de CO2.

Os benefícios do hidrogénio “azul”

As tecnologias de CCUS também têm um papel importante a desempenhar na produção de hidrogénio. O hidrogénio tem muitos usos industriais, inclusive como combustível ecológico e neutro em carbono, que pode ser usado em células de combustível e motores de combustão interna. Convencionalmente, o hidrogénio é produzido pela separação do gás natural em hidrogénio e CO2, por meio de um processo denominado reforma a vapor do metano. Infelizmente, este processo requer muito carbono e, por essa razão, o hidrogénio que produz é geralmente chamado de hidrogénio “cinza”.

No entanto, se as tecnologias de CCUS forem utilizadas para capturar CO2, o hidrogénio produzido será mais favorável ao ambiente e, portanto, é denominado hidrogénio “azul”. Este processo tem dois grandes benefícios. Em primeiro lugar, o CO2 que dele resulta é armazenado com segurança no subsolo, em vez de ser libertado para a atmosfera. Em segundo lugar, o hidrogénio “azul” produzido pode ser utilizado para abastecer e, assim, descarbonizar outras indústrias, como a geração de energia e os transportes. Já o hidrogénio “verde”, como o próprio nome sugere, é a opção mais sustentável de todas, uma vez que divide a água em hidrogénio e oxigénio usando eletrólise alimentada por fontes de energia renovável. Assim, nenhum CO2 é criado durante o processo.

Um dos benefícios dos hidrogénios azul e verde como combustíveis é que ambos são amplamente transportáveis, o que lhes confere uma vantagem significativa sobre as outras fontes de energia renovável. O problema principal das energias renováveis é que precisamos de gerar a energia no local exato onde a eletricidade é necessária. Isto porque não podemos transportar eletricidade a longas distâncias sem gastar energia. Uma solução é utilizar a energia renovável produzida em locais remotos – como um parque eólico offshore – e convertê-la, nas proximidades, num combustível que pode ser transportado com mais facilidade, como o hidrogénio verde ou azul.

O crescimento de CCUS

Historicamente, a captura de carbono industrial tem sido rotulada como um processo caro e não comprovado, devido aos custos de capital associados à construção de uma rede de transporte e armazenamento e, também, aos custos operacionais para captar, bombear e comprimir o CO2. Os primeiros CCUS foram genericamente concebidos como forma de descarbonizar as centrais termoelétricas a carvão, um processo caro, principalmente porque os custos com a energia renovável terem vindo a reduzir. Por agora, é claro que a infraestrutura de transporte e armazenamento de CCUS, quando construída em escala, reduz de forma significativa os custos de descarbonização das indústrias pesadas e favorece a descarbonização de muitos outros setores por meio da economia do hidrogénio.

A captura de carbono industrial em escala é um processo bem estabelecido. O primeiro projeto de CCUS em grande escala foi implementado em 1996, em Sleipner, na Noruega. E existiam 26 instalações de grande escala em operação a nível mundial em 2020, com mais 37 em desenvolvimento. Em 2020, a capacidade combinada de captura de carbono – entre instalações elétricas e industriais – totalizou 40 milhões de toneladas métricas de carbono (MtCO2).

No entanto, é necessário fazer muito mais. Para atingirmos a neutralidade carbónica até 2050, a Agência Internacional de Energia (AEI) avalia que a capacidade de captura de carbono precisa de crescer exponencialmente para 1.670 MtCO2 até 2030 e para 7.600 MtCO2 até 2050. Atingir estes volumes vai exigir um aumento igualmente rápido da construção de instalações de CCUS de grande escala. De acordo com a AIE, é necessário aumentar a capacidade de CCUS em dez vezes até 2025, enquanto o Global CCS Institute avalia que precisamos de ter 2.000 instalações de CCUS em funcionamento, até 2040, em todo o mundo.

Parece um desafio difícil, mas aumentar a construção e o desenvolvimento das instalações de CCUS poderia revolucionar o papel da captura de carbono industrial, tornando-o bastante mais económico. Um dos caminhos pode ser a configuração de sistemas de captura e armazenamento de carbono que atendam, em simultâneo, processos industriais vários e distintos. Isto significaria uma única rede de dutos e armazenamento de carbono, que recebe, por exemplo, CO2 de uma fábrica de cimento, de produtos químicos, de uma siderúrgica e de uma fábrica de hidrogénio azul, tudo ao mesmo tempo.

Este processo mudaria completamente a economia. Assim, em vez de apenas removermos o CO2 de modo oneroso como um subproduto prejudicial, estaríamos também a incentivar a produção de uma nova fonte valiosa de energia renovável – o hidrogénio azul – que pode ser usada para descarbonizar outros setores.

Quatro soluções para capturar carbono baseadas na natureza

A CCUS é um processo artificial criado para a indústria, mas o carbono também é absorvido pela atmosfera através de vários processos naturais, que incluem as plantas, os solos, os sedimentos e os oceanos. As quatro soluções baseadas na natureza, listadas abaixo, também estão a contribuir para que o mundo atinja a neutralidade carbónica:

  1. Silvicultura – inclui a preservação das florestas existentes, a reflorestação das que foram desmatadas e a plantação de árvores onde nunca tinham existido.
  2. Zonas húmidas – inclui a conservação e restauração de solos de turfas ricas em carbono e zonas húmidas costeiras, como mangues.
  3. Agricultura – inclui ajudar os solos a armazenar e a reter carbono por meio da agricultura de plantação direta e rotação de cultivos, gestão aprimorada da pecuária e sistemas agroflorestais, que combinam o cultivo de árvores e arbustos com outras formas de agricultura.
  4. Oceanos – inclui a restauração de pradarias marinhas e o cultivo de algas e crustáceos para restaurar ou cultivar ecossistemas marinhos.