Será que as alterações climáticas podem desencadear a próxima pandemia?

Sustentabilidade | Artigo | 13 de outubro de 2020

A diminuição da biodiversidade não só aumenta o risco de propagação de pandemias, como também diminui a possibilidade de as conter depois de iniciadas, devido ao nosso grau de dependência da natureza para a produção de medicamentos.

As alterações climáticas e a crescente perda da biodiversidade podem impulsionar futuras pandemias, alerta o relatório COVID-19 Risks Outlook do Fórum Económico Mundial, Zurich e Marsh, publicado em maio de 2020. O descongelamento do pergelissolo (também conhecido pela denominação permafrost que significa o gelo, a terra e as rochas congelados no Ártico) está a libertar antigos vírus que se encontravam presos e os cientistas estão preocupados com a possibilidade destes vírus poderem vir a causar grandes surtos de doenças no futuro. A diminuição da biodiversidade e a perda de habitats de vida selvagem também constituem importantes fatores subjacentes à propagação de doenças zoonóticas, que são transmitidas dos animais para os seres humanos, como é o caso do coronavírus.

O pergelissolo está a descongelar rapidamente em resultado do aquecimento global. Ao descongelar, liberta metano e dióxido de carbono na atmosfera, o que acelera o aquecimento global e agrava exponencialmente todo o processo, uma vez que o metano é cerca de 30 vezes mais potente do que o CO2 na retenção de calor. O pergelissolo também contém milhares de anos de vida que vão desde cadáveres de seres humanos que viveram perto dos polos até carcaças de mamutes-lanudos que morreram há milhares de anos, todos eles congelados no momento em que morreram e alguns com os vírus que os mataram ainda no seu interior.

Os cientistas conseguiram sequenciar completamente o vírus responsável pela pandemia da gripe de 1918 — que matou cerca de 50 milhões de pessoas em todo o mundo — depois de o ter encontrado em corpos exumados de uma vala comum, numa aldeia do Alasca que tinha sido devastada pela pandemia da gripe. Os vírus retidos nesses corpos estavam mortos e não representavam uma ameaça, mas existe a preocupação de que outros vírus possam ser libertados pelo descongelamento do pergelissolo e que possam voltar a viver,  começando novamente a sua propagação.

Em 2014, foi encontrado um antigo vírus chamado Pithovirus sibericum no pergelissolo siberiano, que voltou à vida depois de descongelado. O vírus estava retido no solo há mais de 30 mil anos, mas felizmente não representava uma ameaça para humanos ou animais. Mas isto não significa que o descongelamento do pergelissolo não possa ter efeitos mortais.

Na Rússia, um rapaz de 12 anos morreu e pelo menos 20 pessoas foram hospitalizadas, em agosto de 2016, depois de serem infetadas pela bactéria letal do carbúnculo. Pensa-se que estas pessoas foram infetadas quando a carcaça de uma rena, morta pela bactéria, descongelou depois de ter estado retida no pergelissolo durante 75 anos.

Embora o descongelamento do pergelissolo seja um problema sério, não precisamos de nos preocupar com a possibilidade de ser a fonte de futuras pandemias. Existem outros riscos que são muito mais importantes, como a transferência zoonótica de doenças, ou seja, a transferência de vírus dos animais para os humanos. Alguns dos fatores que estão a aumentar o risco de transferências zoonóticas de doenças estão também a conduzir à perda da biodiversidade.

A destruição dos habitats de vida selvagem causada pela desflorestação e pela expansão agrícola e urbana está a aproximar o homem dos animais, aumentando o risco de propagação das doenças zoonóticas a novos hospedeiros. Em média, a cada quatro meses surge uma nova doença infeciosa nos seres humanos e 75% destas doenças provêm de animais, de acordo com o Relatório Frontiers 2016 sobre Questões Ambientais Emergentes do PNUA. Uma delas foi a COVID-19.

A diminuição da biodiversidade não só aumenta o risco de propagação de pandemias, como também diminui a possibilidade de as conter depois de iniciadas, devido ao nosso grau de dependência da natureza para a produção de medicamentos. A biosfera natural é, na verdade, a fonte de muitos materiais que podem ser medicamentos naturais, dos quais dependemos e de que nem sequer nos lembramos, mas que estão na base da cadeia de abastecimento de muitos produtos farmacêuticos. Isso é um pouco surpreendente para as pessoas que julgam que todos estes produtos aparecem como que por magia de uma fábrica, não pensando de onde provêm as matérias-primas.

Se a humanidade quer limitar o risco de futuras pandemias e surtos de doenças infeciosas, tem de pensar a sério nas alterações climáticas e na perda da biodiversidade. Parar o descongelamento do pergelissolo não reduz apenas o risco de reativação de um vírus antigo, mas evita a libertação de metano, o que também se traduz numa forma de combater as alterações climáticas.