Daniel Rijo: "um elevado bem-estar mental significa conseguirmos gerir as emoções"

Por tiArtigo30 de agosto de 2023

Os níveis de ansiedade e de depressão nos jovens têm aumentado significativamente nos últimos anos. Um maior conhecimento do bem-estar mental é uma das formas de combater esta tendência. Se ainda não ouviu falar do projeto “Por ti”, fique a par da importância da regulação emocional na vida da comunidade escolar. Conheça, nesta entrevista, a opinião do Prof. Daniel Rijo, Membro do Conselho Executivo da UPC3. Por adolescentes, pais, professores e funcionários mais felizes e equilibrados.

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O projeto “Por ti” foi lançado em setembro de 2022 e tem como objetivo fomentar e desenvolver competências de regulação emocional na comunidade escolar. Financiado pela Z Zurich Foundation e gerido pela Zurich Portugal, o projeto conta com o apoio da EPIS e da unidade de psicologia clínica cognitivo–comportamental da Universidade de Coimbra (UPC3). O “Por ti” já impactou mais de 25 979 mil alunos, 655 famílias e 2558 professores e assistentes operacionais. O professor Daniel Rijo conta-nos, nesta breve entrevista, a importância do bem-estar mental nos jovens e o balanço do primeiro ano do projeto.

A saúde mental e o bem-estar mental são dois conceitos que, muitas vezes, se confundem. Pode explicar o que os distingue?

Efetivamente, saúde mental e bem-estar mental são dois conceitos que, apesar de intimamente relacionados, não são totalmente sobreponíveis. Segundo a Organização Mundial de Saúde, o bem-estar mental engloba a componente positiva da saúde mental e resulta da combinação de duas dimensões: a dimensão afetiva, a forma como nos sentimos – por exemplo, o afeto positivo e as capacidades para lidar com o stresse associado às dificuldades de vida diária –, e o funcionamento individual e social, ou seja, a forma como funcionamos como indivíduos e na relação com os outros – por exemplo, a autonomia, a produtividade, o propósito de vida, as relações positivas e os contributos para a comunidade –, permitindo assim o crescimento e o desenvolvimento individual. Portanto, uma boa saúde mental não significa apenas a ausência de alguma perturbação mental, mas implica desenvolvermos capacidades que, para além da ausência de uma perturbação, nos permitam funcionar de forma competente, satisfatória e possibilitem a construção de relações de qualidade com os demais. Por outras palavras, o elevado bem-estar mental não significa ausência de problemas ou dificuldades; significa conseguirmos gerir as emoções e lidar com os desafios e dificuldades diárias, sermos capazes de nos relacionar de forma positiva com os outros, de funcionar de forma autónoma, de sermos produtivos e de podermos dar o nosso contributo à comunidade.

Porque é que existe esta falta de conhecimento acerca de ambos os conceitos?

Existe uma maior iliteracia acerca da saúde mental do que em relação à saúde física. Por mais barreiras que se derrubem, o estigma em relação à saúde mental é, ainda, grande e precisamos de mais informação e educação acerca do tema. É compreensível que a maioria das pessoas pense que alguém a quem não tenha sido diagnosticada nenhuma perturbação mental, tenha uma boa saúde mental. Como vimos na questão anterior, não é exatamente assim. Há muitas pessoas que não preenchem critérios para o diagnóstico de uma perturbação mental, mas possuem baixa qualidade de vida – por exemplo, dificuldades de expressão e de regulação emocional, vínculos relacionais pobres ou inseguranças de diferentes tipos – e, nestes casos, não podemos dizer que tenham um elevado bem-estar mental.

De um modo mais geral, podemos falar numa deterioração dos níveis de bem-estar mental – nomeadamente entre os mais jovens – ou simplesmente estamos mais atentos ao tema?

Penso que as duas coisas são possíveis. Efetivamente, os estudos epidemiológicos recentes, que avaliam a incidência e prevalência de perturbações psicológicas, revelam que cerca de 13% da população geral e 14% dos adolescentes, em todo o mundo, apresenta pelo menos uma perturbação psicológica. Estimou-se ainda, entre 2000 e 2019, uma taxa de crescimento de 25% de perturbações psicológicas em geral. Em 2020, devido à pandemia da COVID-19, o crescimento foi ainda superior, tendo havido um aumento de 28% de perturbações depressivas e de 26% de perturbações de ansiedade nesse ano. Estes dados não deveriam ser negligenciados, pois alertam para a necessidade de uma maior atenção às questões da saúde mental.

Para além destes dados, é importante ressalvar que os adolescentes são uma população de maior risco, tendo em conta a fase da vida em que se encontram. Um estudo recente feito em Portugal com representatividade nacional, revelou que 21% dos adolescentes com idades compreendidas entre os 11 e os 15 anos se sentem nervosos, 15,8% irritados ou de mau humor e 11,6% tristes quase todos os dias.

Durante a pandemia houve, sem dúvida, um maior foco no tema da saúde mental, associado ao impacto emocional e às necessidades sentidas pelas pessoas durante aquela fase. Os meios de comunicação social contribuíram para divulgar informações e testemunhos, promover debates com especialistas da área e aumentar a consciencialização social para estas problemáticas. No entanto, temo que tenhamos aprendido pouco sobre o tema, pois os recursos e instituições públicas estão ainda claramente subdimensionados face às necessidades da população, défice ainda mais evidente no caso da saúde mental infantojuvenil.

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A primeira fase do projeto “Por ti” ultrapassou todos os objetivos. Quais as razões por detrás deste sucesso?

Acredito que uma das principais razões foi o elevado interesse e a disponibilidade por parte das escolas em aderirem ao programa. De facto, tanto a adesão dos alunos, como a dos professores e pessoal não docente, superou em muito as estimativas para o primeiro ano de projeto. Julgo que isso demonstra a necessidade que tanto adolescentes, como professores e outros profissionais que atuam nas escolas, quererem saber mais sobre o tema. Os adolescentes atravessam uma fase de maior risco para problemas emocionais e comportamentais. Por outro lado, os professores, seja por fatores intrínsecos ao indivíduo, seja por pressões externas, têm vindo a ser identificados como profissionais de risco e os níveis de sofrimento, stresse e mesmo burnout são muito elevados nesta classe profissional. Julgo que estas razões também explicam a elevada adesão às sessões da primeira fase do projeto “Por ti”.

Também é verdade que a EPIS e os seus profissionais detêm um elevado know-how acerca de intervenções desta natureza em contexto escolar, o que em muito deve ter contribuído para a forte adesão às intervenções disponibilizadas.

Por norma, existe timidez e receio em abordarmos estes temas, principalmente quando somos jovens. Como é que o projeto conseguiu quebrar essa barreira?

Um dos principais objetivos do projeto é exatamente esse: normalizar a experiência das emoções, mesmo as mais desagradáveis, e transmitir a ideia de que todas as pessoas, em algum momento da sua vida, podem ter dificuldades emocionais e, eventualmente, precisar de ajuda profissional.

O facto de as sessões serem realizados em grupo procura promover um ambiente empático, de aceitação e não julgamento, que facilite a partilha e a discussão acerca destes temas. Os dinamizadores tentam também modelar a abertura ao tema, com a expressão e partilha de vulnerabilidades próprias, no sentido de ultrapassar preconceitos/tabus e diminuir a vergonha associada à expressão da fragilidade e de dificuldades pessoais. Para além disso, os conteúdos trabalhados são encarados como competências que todos podemos treinar e desenvolver, para cuidarmos melhor do nosso bem-estar mental.

É essencial que os jovens compreendam quais os sinais de alerta para o desenvolvimento de uma perturbação emocional a que devem estar atentos, bem como ter acesso a informações atualizadas sobre serviços e profissionais disponíveis na sua zona e aos contextos preferenciais de suporte socio-emocional.

Alguns estudos consideram que existe uma falta de literacia emocional em Portugal. Concorda? A que se deve esta falta de conhecimento?

A literacia em saúde mental pode ser definida como o conhecimento acerca das perturbações mentais, mas também abarca as crenças que facilitam ou dificultam o seu (re)conhecimento, prevenção e/ou gestão. Em geral, têm sido reportados níveis baixos de literacia emocional em Portugal, independentemente da população estudada. Apesar de a literacia emocional ter aumentado nos últimos anos, com o aumento do número de pedidos de ajuda psicológica e psiquiátrica e crescente divulgação de informação científica e clínica por parte de especialistas nos meios de comunicação e nas redes sociais, penso que ainda existem barreiras que persistem na nossa sociedade. Diversos estigmas, discriminação e exclusão social associada às perturbações emocionais ainda afetam a literacia emocional de forma significativa. Outro problema é a ausência de investimento e financiamento que permita a continuidade de algumas iniciativas e programas que, felizmente, já começam a surgir no nosso país. Essa falta de visão e de investimento a longo prazo faz com que diversas intervenções, com eficácia comprovada, fiquem confinadas a um determinado projeto de investigação ou a um projeto comunitário com financiamento limitado no tempo – e ainda percam viabilidade a longo-prazo nos contextos reais de intervenção.

O “Por ti” envolve professores, alunos, assistentes operacionais e famílias. Houve um grupo da comunidade com o qual tenha sido mais desafiante trabalhar ou que o tenha surpreendido pela positiva?

A maior dificuldade encontrada ao longo do projeto foi, de facto, conseguir envolver os pais e as famílias dos alunos, algo que já era antecipado como um potencial desafio na fase de planeamento. Já tentámos diversos formatos de intervenção e oferecer diferentes horários, mas a participação dos pais e encarregados de educação, embora próxima das metas definidas, ficou aquém da adesão dos restantes destinatários. Em contrapartida, surpreendeu-nos pela positiva tanto a adesão dos adolescentes, quanto a dos professores e assistentes operacionais. Também ficámos espantados pela adesão e colaboração das escolas que, ainda durante a primeira fase do projeto, foram manifestando elevado interesse e colocando diversas questões sobre os procedimentos de adesão à segunda fase.

As famílias foram o grupo que mostrou menor adesão ao projeto, no primeiro ano. Quais as razões que, na sua opinião, possam estar por detrás desta menor disponibilidade?

Sabemos que a escola é o contexto de vida diária dos adolescentes, dos professores e dos assistentes operacionais. Pelo contrário, é um contexto que dificulta o acesso das famílias, por terem de se deslocar e articular horários para conseguirem estar disponíveis para participar em atividades na escola. A principal razão será de ordem prática/logística e de conciliação de horários, o que dificulta a adesão. É também possível que esta área do bem-estar mental – na ausência de algum problema ou diagnóstico identificado previamente nos filhos – possa não ser vista, muitas vezes, como prioritária pelas famílias.

Face a estas dificuldades, criámos algumas estratégias para as tentar ultrapassar, tais como: a divulgação das iniciativas em grupos de pais e junto das associações de pais das escolas; a realização de contactos mais específicos e próximos por parte dos técnicos que convidaram os pais para as sessões; a criação de parcerias com algumas Câmaras Municipais, de modo a que as sessões fossem dinamizadas em horários mais compatíveis com a disponibilidade das famílias e em locais diversificados do município.

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O objetivo do projeto foca-se muito em incutir competências de regulação emocional. Estas competências são muito diferentes quando falamos de jovens, professores e auxiliares ou pais?

Não. Em todas as sessões são promovidas competências de regulação emocional adaptativas. A grande diferença é a forma como estas são transmitidas e abordadas, dependendo do público-alvo. Neste sentido, a forma como as estratégias são trabalhadas – por exemplo, o tipo de exercícios e de exemplos utilizados – é diferente e adaptado de acordo com o nível de desenvolvimento dos indivíduos e o seu contexto académico e profissional. Mas podemos dizer que oferecemos conteúdos semelhantes em todos os grupos. Claro que, para os adolescentes, importa-lhes sobretudo lidar com as suas vulnerabilidades e com os desafios que enfrentam nesta fase da vida, manifestando também um elevado interesse no relacionamento com os pares. No caso dos professores e assistentes operacionais, para além da sua própria regulação emocional e terem interesse em reduzir o stresse, surgem também aspetos relacionados com a profissão e com a relação com os alunos, havendo grande interesse em compreender melhor porque os adolescentes reagem desta ou daquela forma. Já no caso das sessões para pais, é natural e esperado que grande parte do interesse esteja relacionado com as dificuldades e desafios que sentem enquanto pais de adolescentes. No entanto, apesar destas nuances, os conteúdos trabalhados são muito idênticos.

Os professores são também um grande foco do projeto. Sente que existe igualmente uma oportunidade para desenvolver conhecimento sobre a gestão emocional neste grupo profissional?

Esse é exatamente um dos principais objetivos do “Por ti”, na medida em que os professores são uma classe profissional suscetível a vulnerabilidades e a um maior risco para perturbações emocionais, com uma taxa de prevalência de perturbações emocionais crescente nos últimos anos.

Além disso, os professores têm uma importância indiscutível no contexto escolar, no crescimento e desenvolvimento dos jovens e no ambiente ou clima emocional da comunidade escolar.

Apesar da importância de trabalhar com os adolescentes, é igualmente relevante informar e treinar as pessoas que interagem de forma significativa com eles nos seus contextos próximos de ação, como é o caso dos professores. São eles que têm um papel preponderante no desenvolvimento dos alunos e, de uma forma ou de outra, são parte ativa e cooperante na promoção de bem-estar mental dos adolescentes. A criação de uma “linguagem comum” entre jovens, pais e agentes educativos pode ser facilitadora na procura deste bem-estar maior que envolva todo o ambiente escolar.

Como é que a literacia emocional pode tomar uma parte mais ativa na vida escolar? Deveria integrar o currículo escolar?

Para nós, psicólogos, essa é uma necessidade clara. Há países que incluem conteúdos relacionados com regulação emocional no currículo escolar e que vão sendo trabalhados ao longo do desenvolvimento dos alunos, em função das necessidades e das competências a adquirir em cada período do desenvolvimento. Uma vez que é na escola que os alunos adquirem uma parte considerável das aprendizagens ao longo da vida, e sendo esta uma das áreas essenciais do desenvolvimento humano, não faz sentido que este tema não seja trabalhado de modo sistemático e progressivo. Por exemplo, as aulas de cidadania poderiam ser um contexto adequado para apostar na literacia emocional e trabalhar competências de regulação emocional.

O professor Daniel Rijo debruça-se sobre esta área há vários anos e o "Por ti" está ainda no seu primeiro ano letivo no terreno. Mas, a título pessoal, há alguma "lição" desta primeira fase do projeto que queira destacar?

As escolas e as pessoas envolvidas, incluindo os alunos adolescentes, estão disponíveis e interessados em aprender a cuidar do seu bem-estar mental. A forte adesão deste primeiro ano revelou que estas intervenções são úteis e reconhecidas como tal pela grande maioria dos participantes. Confirmamos também que a escola é o contexto certo para fazer este tipo de intervenção, de forma a torná-la universal e acessível a todos, para que a saúde mental não seja apenas um privilégio daqueles que, por circunstâncias económico-sociais, são mais privilegiados no acesso a serviços privados e especializados.

Este tipo de intervenções breves, como a que oferecemos no primeiro ano do projeto “Por ti”, mostrou também que é possível impactar a vida de muitas pessoas de forma positiva e com uma boa relação custo/benefício no que respeita a recursos humanos. Em relação aos desafios já do próximo ano letivo, tanto a EPIS como a equipa da Universidade de Coimbra estão fortemente empenhadas e entusiasmadas com o que poderá vir a ser a adesão à segunda fase do projeto, um programa de promoção do bem-estar mental mais intenso e duradouro, mais ambicioso, e que pretende alcançar algum grau de transformação na vida dos destinatários, tanto alunos como docentes.

 

Esta comunicação é da inteira responsabilidade da Zurich Insurance Europe AG, Sucursal em Portugal e da Zurich - Companhia de Seguros Vida, S.A.